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Outro Brasil precisa emergir da crise

José Bertotti. Foto: Lu Rocha/Semas PE
Foto: Lu Rocha/Semas PE

Em meio à pandemia, já são 3.366.714 pessoas contaminadas no mundo, 239.245 vidas ceifadas pela COVID19, das quais 6.434 foram em solo brasileiro. O crescimento de contaminações no Brasil está muito acelerado quando comparado com os demais países. O colapso do sistema de saúde é iminente. O Sistema Único de Saúde já está duramente afetado pela Emenda Constitucional 95, que impede novos investimentos para sanar suas históricas deficiências. No entanto, a atitude criminosa do Presidente da República agrava essa situação. Ele boicota a ação dos Governadores de Estado e Prefeitos que, desde o primeiro momento, passaram a seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde adotando medidas de distanciamento social, e por esforço próprio continuam abrindo leitos de hospital e contratando novos profissionais de saúde para salvar vidas.

Nesse ambiente de dificuldade, mais uma falsa polêmica tem sido sustentada por Jair Bolsonaro, aquela que contrapõe o funcionamento da economia versus enfrentamento da pandemia. Para contrapor esse pensamento obtuso, cito o seguinte trecho de um artigo publicado conjuntamente por vários pesquisadores, entre eles o Professor Luiz Gonzaga Belluzzo(1):

“…Colocar a economia acima da vida é reconhecer o fracasso da humanidade…”.

O debate de ideias está cada vez mais embrutecido no nosso país, porém é desse embate que devemos extrair lições e encontrar caminhos para salvar o máximo de vidas. Por isso quero trazer dois aspectos da realidade que nesse momento de aguda crise tem emergido com mais clareza.

O primeiro é que sem trabalhadores o capital fica sem iniciativa, mostrando o que de fato move a economia. Os trabalhadores são exatamente os mais vulneráveis diante dessa nova doença, pois, historicamente mesmo contribuindo decisivamente para o financiamento do estado, são os que recebem os piores retornos em termo de serviços de saúde, educação e infraestrutura urbana. Por isso, numa hora dessas merecem uma atenção especial e essa atenção tem sido cobrada pelo conjunto da população.

Segundo, num momento de crise aguda, o papel do Estado se agiganta. Não existe solução sem que os instrumentos disponíveis na mão dos governos sejam adequadamente utilizados em momentos como esse.

Nesse quesito, estamos totalmente desapetrechados. Depois de muita pressão, Bolsonaro propôs um auxílio de míseros R$ 200,00 para a imensa massa de trabalhadores informais, depois o valor foi modificado pela Câmara Federal para um valor que varia de R$ 600,00 a R$ 1.200,00. No entanto, milhares de pessoas ainda penam em filas para se cadastrarem sem que se prepare estruturalmente a Caixa Econômica Federal para receber e processar esses atendimentos; não se coloca em movimento o Sistema Único de Assistência Social para apoiar os integrantes do Cadastro Único de pessoas abaixo da linha da pobreza. Chegou-se ao cúmulo da falta de numerário para pagar todos os benefícios.

Ou seja, Bolsonaro não tem iniciativa, opera de maneira precária a máquina pública e de fato retarda a implantação dos benefícios apostando no caos. Da mesma maneira, ainda não se chegou a um acordo para socorrer estados e municípios que assumem os maiores gastos no enfrentamento a pandemia, ao mesmo tempo em que vêem suas receitas tributárias serem reduzidas a praticamente zero.

Sabe-se que o único ente da federação que pode emitir moeda para suprir as necessidades imediatas é o executivo federal, esse instrumento já foi adotado pela maioria dos países do mundo e está a disposição para momentos como esse de extrema gravidade. Uma medida como essa, se bem administrada, pode gerar meios de pagamento que viabilizem os investimentos estruturadores, como os de infraestrutura, ciência e tecnologia, saúde, educação e alimentação.

Em conversa com o professor Abraham Sicsú, ele lembra que alguns argumentarão que isso traria inflação, porém, ele continua, alguma inflação talvez, mas que não comprometerá o processo. Abraham ainda relembra o que foi dito por André Lara Resende, baseado na Moderna Teoria Monetária, que nos fala de Moeda Fiduciária. Aquela que é vista como possível solução para os problemas de crescimento e as mazelas sociais. A moeda que ao ser emitida gera um ambiente propício ao investimento.

Mas esse debate divide o próprio Governo Bolsonaro, como alertado na entrevista com o economista Nilson Araújo de Souza(2). Na entrevista, ele expõe com toda clareza o desgosto do ministro Paulo Guedes com o Plano Pró-Brasil apresentado pelo chamado “presidente operacional” do Brasil, ministro General Braga Neto. A divisão se dá exatamente na insistência de Paulo Guedes de propor ao Congresso Nacional a continuidade das reformas trabalhista, administrativa e tributária para o enfrentamento do Corona Vírus.

Essa proposta é amplamente rechaçada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e pela maioria dos líderes partidários, os mesmos cobraram de Paulo Guedes medidas objetivas para conter o número de mortes hoje em estágio crescente. Não se nega a necessidade de reformas, mas as propostas de Paulo Guedes têm por objetivo aprofundar a reforma trabalhista já iniciada, terminando de liquidar o mercado formal de trabalho no Brasil. Exatamente no momento que se verifica que uma das maiores fragilidades da nossa economia está justamente nos milhões de trabalhadores informais e na desorganização de nossas cadeias produtivas, incapazes de fornecer itens básicos como máscaras e outros Equipamentos de Proteção Individual para a rede de saúde.

Tornamo-nos totalmente dependentes, num momento de escassez mundial desses materiais. Por outro lado, o ministro Braga Neto apresenta um plano de investimentos que conta com R$ 30 bilhões do setor público e mais R$ 250 bilhões que seriam captados através de concessões públicas para iniciativa privada. Os valores são insuficientes, é verdade, para atingir o mínimo necessário para alavancar um crescimento que nos tire da estagnação, a que foi submetida nossa economia nos últimos anos, e muito pouco quando comparado aos R$ 1,2 trilhões colocados à disposição dos bancos logo no início da pandemia. Isso denota uma grande ilusão, pois no centro do capitalismo, onde os investimentos são mais seguros, os mesmos vem secundados de valores bem mais expressivos de recursos públicos do que privados. O lado positivo é que nem todos pensam da mesma forma que o Posto Ipiranga de Bolsonaro.

São essas as contradições que devemos explorar. A inoperância criminosa de Bolsonaro diante da pandemia. A falta de um projeto de desenvolvimento para o Brasil, que mesmo antes da pandemia não alavancava seu crescimento econômico e já contava com aproximadamente 12 milhões de desempregados, e mais de 50 milhões de brasileiros vivendo do trabalho informal ou de subempregos.

Garantir os recursos necessários para elevação da competitividade da nossa sociedade, para aumentar a produtividade, para diminuir o desemprego e os gargalos estruturais do país poderá gerar um fluxo de investimentos que mais do que justificará esses gastos. Não aceitar esse debate, parece um erro estratégico.

O arcabouço dos possíveis caminhos econômicos nos permite novas soluções não triviais, normalmente adotadas em situações excepcionais como a que vivemos hoje. Precisamos sair das armadilhas midiáticas produzidas por Bolsonaro para salvar a si mesmo e a sua família, e travar o debate do que é necessário para o Brasil superar a pandemia do Corona Vírus. Precisamos reconstruir as bases para o desenvolvimento sustentável que inclua todos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.

Artigo publicado originalmente no Blog de Luciano Siqueira, em 12/02/2021

Notas:

  1. Emitindo moeda, o Estado cria poder de compra que antes não existia. 30.abr.2020, EDIÇÃO IMPRESSA, Monica de Bolle, André Roncaglia de Carvalho, Fabio Terra, Gabriel Galípolo, Igor Rocha, Julia Braga, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Paulo Gala.
  2. Plano do general Braga Netto sinaliza mudança. Publicado em 25 de abril de 2020. Hora do Povo

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José Bertotti

José Bertotti

José Bertotti é pesquisador em inovação do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia (I-LITPEG) da UFPE, professor, formado em Química Industrial pela UFRGS, com mestrado em Engenharia de Produção pela UFPE. Foi secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco; secretário de Assistência Social do Recife; secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Recife; secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco; e diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE). Coordenou a Representação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no Nordeste. É da direção estadual do Partido Comunista do Brasil (PCdoB-PE).