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Veneno ofertado como remédio

Aplicação de agrotóxico

Em plena calamidade de saúde pública causada por um vírus que já vitimou mais de 5 milhões e 800 mil pessoas no mundo inteiro, a Câmara dos Deputados tira da gaveta um projeto que tramitava há 20 anos e aprova o PL do Veneno. Esse projeto, que deve passar pelo Senado Federal e ainda pode ser reprovado, flexibiliza o registro de agrotóxicos no Brasil, retirando da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Ministério do Meio Ambiente atribuições que estavam consignadas em Lei com previsão constitucional desde 1988.

O toque de crueldade é que esse projeto de lei não chama mais os agrotóxicos pelo nome que lhes é devido e, como num passe de mágica, imagina afastar a periculosidade desses verdadeiros venenos e passa a denominá-los de “produto fitossanitário” e “produto de controle ambiental”.

Esse PL foi aprovado sem levar em consideração manifestações da Fiocruz, da Anvisa e do Ibama, entre outras instituições públicas. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), presidida hoje pelo cientista Renato Janine Ribeiro e que tem entre seus presidentes de honra o renomado físico Sérgio Rezende, publicou um manifesto no qual demonstra apreensão quanto à aprovação desse projeto e informa que um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. Além disso, a Anvisa apontou em 2013 que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos.

A justificativa para aprovar esse projeto seria destravar a aprovação de novos agrotóxicos para incrementar nossa agricultura, mesmo que em detrimento de salvaguardas à saúde e ao meio ambiente.

Vendo isso, lembrei de uma das conversas que tive com o professor Sérgio Rezende quando ele foi ministro da Ciência e Tecnologia em 2010, e eu era secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do Recife. Discutíamos sobre a aplicação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação (FUST) que agora, em 2022, somam mais de 36 bilhões de reais, e na época também não eram utilizados. E ele me informava: “Bertotti, esses recursos estão sendo guardados para fazer superávit primário, uma contabilidade que não interessa ao desenvolvimento brasileiro”. Ou seja, esse é apenas um exemplo de como desperdiçamos alternativas para direcionar nossos esforços de desenvolvimento que não coloquem em risco nossa saúde e o meio ambiente.

Sérgio Rezende. Foto: Marco Zero Conteúdo

Mas se não bastassem os problemas de saúde pública, já causados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos ao longo dos anos no Brasil e no Mundo, vivenciamos hoje os desequilíbrios ambientais que nos trazem a situação da pandemia da covid-19. Além disso, há os danos causados ao planeta pelos mesmos desequilíbrios ambientais que nos trazem a situação de emergência climática, que segundo uma das maiores seguradoras da Alemanha, a Munich Re, aponta em relatório divulgado em janeiro de 2022 que os desastres naturais ocorridos em 2021 provocaram prejuízos de US$ 280 bilhões (R$ 1,58 trilhão) em todo o mundo.

Diante de tais fatos, precisamos nos dar conta de que a realidade que se impõe é de uma maioria estabelecida no Congresso Nacional que ignora qualquer apelo fundamentado na ciência em defesa da vida. Essa maioria conjuntural vota cegamente em projetos vendidos como geradores de emprego e renda, como foi a reforma trabalhista, uma desregulamentação do mercado de trabalho votada em 2018 que prometia mais empregos e nos trouxe a situação de 13,5 milhões de chefes de família sem um trabalho digno em 2022.

Quando na realidade, o que mais precisamos é de gente para trabalhar para atender os milhares de flagelados pela calamidade da covid, e outros milhões de trabalhadores para darem início ao processo de construção de uma nova infraestrutura de desenvolvimento que envolva saneamento, habitação digna, rodovias, ferrovias, portos, escolas, universidades e uma retomada industrial que nos tire do dilema de produtor de commodities, que se vê compelido a dar veneno para nossa população para alimentar artificialmente uma produção agrícola que já é uma das melhores do mundo, e não precisa de leis espúrias como o PL do Veneno.

Mudar essa realidade em 2022 é tarefa estratégica, caso contrário o veneno continuará sendo ofertado como remédio para matar a fome do nosso povo.

Artigo publicado originalmente no Portal Vermelho

4 comentários em “Veneno ofertado como remédio”

  1. Tudo o q esse governo porco quer desde seu início é matar pessoas.Não satisfeito com os mortos pela demora de atitudes com a covid,agora tenta outras formas de mortes.Deus tenha piedade e dê voz aos homens de bem,q ainda existem.

  2. Bertotti,muito esclarecedor esse artigo.Me fez lembrar de quando eu ia para o sítio da minha vó e ela sempre tinha tanto zelo com a roça.Fazia questão de dizer coma que não tem veneno! Hoje, temos esta triste realidade,porque o veneno vai matar os menos favorecidos,que vivem a margem da sociedade.Os ricos ah os ricos não comem os alimentos produzidos no Brasil!

    1. Verdade Rita, valorizar a nossa produção que não precisa de veneno é chave! E denunciar que as vezes não nós damos conta de produzir alimentos contaminados para nós mesmos!

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José Bertotti

José Bertotti é pesquisador em inovação do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia (I-LITPEG) da UFPE, professor, formado em Química Industrial pela UFRGS, com mestrado em Engenharia de Produção pela UFPE. Foi secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco; secretário de Assistência Social do Recife; secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Recife; secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco; e diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE). Coordenou a Representação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no Nordeste. É da direção estadual do Partido Comunista do Brasil (PCdoB-PE).