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Machismo estrutural

Múltipla jornada de trabalho da mulher. Ilustração: Amâncio
Ilustração: Amâncio

Na vida como pai, filho, irmão de mulheres nos deparamos todo dia com realidades que nos ensinam, a partir de nossos erros e acertos, a reconhecer as mulheres como companheiras de uma jornada para transformar o mundo numa casa comum, e onde todos e todas têm direitos e deveres comuns. Para além de nossas individualidades, essas experiências de convivência podem nos falar muito da sociedade que vivemos, profundamente marcada pelo machismo, e que sub-repticiamente é alimentado por gestos cotidianamente praticados por governos misóginos como o de Bolsonaro.

Para aqueles que ainda não enxergam isso, recomendo ler o artigo de Jamil Chade que repudia a atitude do deputado Arthur do Val que afirmou que as mulheres mais pobres são as mais fáceis de serem exploradas sexualmente. Atitude desprezível de um típico representante do Movimento Brasil Livre (MBL), que ajudou a levar Bolsonaro ao poder e tenta dar sobrevida a uma sociedade historicamente marcada pelo machismo. E que precisa urgentemente mudar de rumo.

Me pergunto, por exemplo, qual seria o motivo de mulheres receberem um salário médio menor do que os homens, segundo dados do IBGE. Qual o motivo de não termos ainda creches em quantidade suficiente, para que após os seis meses de licença-maternidade todas as famílias possam ter um serviço de atenção e educação para seus filhos. E quando vamos à raiz da questão, vemos que exatamente a população menos favorecida é a que tem menos condições de dispor desses serviços.

Outra realidade cruel é a dupla, e às vezes tripla jornada de trabalho das mulheres que após um dia de atividades profissionais, precisam cuidar dos filhos, da casa, ganhando salários menores do que os homens. Ou seja, perdem duplamente, primeiro por uma prática que não se justifica sob nenhuma lógica de ganhar menos do que os homens fazendo o mesmo trabalho, e ao mesmo tempo trabalhando de graça, fazendo quase sempre sozinhas o trabalho doméstico, sem o qual a sociedade não conseguiria sobreviver. Com certeza nosso passado escravocrata dá vazão a essa prática. Basta lembrar da oposição feita principalmente pelas classes sociais mais favorecidas, quando foi aprovada a lei que reconheceu os direitos trabalhistas das empregadas domésticas.

Um fato que me marcou por demais, foi quando já menino crescido, dividia várias tarefas domésticas para ajudar minha mãe, Dona Claudete, professora primária que deixou de dar aula quando eu nasci, e logo na sequência, teve meus irmãos e irmãs. Dessa forma, passou a dividir o trabalho da família com meu pai, o carpinteiro José que trabalhava todos os dias da semana numa empresa e minha mãe ficava responsável pelas tarefas domésticas da casa. Nos anos 70, a escola primária começava aos sete anos, e estávamos longe de contar com estruturas de creches que pudessem acolher os filhos de trabalhadores. Infelizmente as creches ainda são insuficientes nos dias de hoje. Em certo momento da minha juventude, decidi que não deveria mais lavar a louça no sistema rotativo combinado com minha mãe, dividindo as etapas com minhas irmãs. Minha mãe perguntou a justificativa. Eu desenvolvi uma tese de que como eu assumia algumas tarefas específicas por ser o filho mais velho, como por exemplo cortar lenha para alimentar nosso fogão no inverno, me parecia justo que fosse dispensado da tarefa da louça. Mas essa tese não vingou, e fui de bate-pronto repreendido por minha mãe. Ela disse que, de fato, a lenha deveria ser tarefa minha, pois naquele momento eu era o familiar que tinha a habilidade para fazer, mas que isso não justificaria deixar de cuidar das demais tarefas e muito menos deixar de trabalhar cooperativamente com todos da minha casa, tentando criar certas especializações que me permitiriam escolher o que faria ou não. Para mim, essa lição foi um aprendizado que até hoje carrego para o meu dia a dia, e quem me conhece sabe que no trabalho cotidiano sempre procuro o trabalho coletivo, e afirmo que esse é o melhor modo para dar cabo das missões que nos são confiadas.

Para além dos ensinamentos de minha mãe e de minha família, que conformam até hoje minha personalidade, sou filiado ao Partido Comunista do Brasil há 32 anos. Nele mantive contato com o Feminismo Emancipacionista, e com ele pude entender que essa divisão de trabalho que vi e vivi na minha casa não foi uma opção, e sim uma imposição do sistema capitalista ainda vigente no Brasil, que se utiliza desse sistema de divisão do trabalho para que os homens, na maioria das vezes, trabalhem em empresas que lhe tomam o tempo de uma vida inteira, e tenham nas suas companheiras o braço que garante a manutenção do lar. Isso é uma forma explícita de aumentar a extração da mais-valia do trabalho, pois parte do serviço não remunerado feito pelas milhões de mulheres em casa é apropriado indiretamente pela economia capitalista, que só acumula para poucos e transforma o Brasil numa economia relativamente desenvolvida, porém atrasada, principalmente por ser um dos países com a maior concentração de renda do mundo.

O 8 de março foi criado como dia de luta e reforço à necessidade de lutarmos por uma sociedade que reconheça homens e mulheres com direitos iguais, atitude basilar para avançar na construção de uma nova sociedade mais justa e que valorize o trabalho de todas e todos.

Artigo publicado originalmente no Portal Vermelho

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José Bertotti

José Bertotti é pesquisador em inovação do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia (I-LITPEG) da UFPE, professor, formado em Química Industrial pela UFRGS, com mestrado em Engenharia de Produção pela UFPE. Foi secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco; secretário de Assistência Social do Recife; secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Recife; secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco; e diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE). Coordenou a Representação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no Nordeste. É da direção estadual do Partido Comunista do Brasil (PCdoB-PE).